As Praxes na Escola de Regentes Agrícolas de Santarém -
Quando nos finais dos anos 50 entrei para a Escola de Regentes Agrícolas de Santarém as Praxes Académicas funcionavam há muitos anos e começavam anualmente cerca de 8 dias depois do início do ano lectivo – com a leitura em voz alta do “Livro das Praxes” pelo Presidente do Conselho de Veteranos – e terminavam no primeiro dia das férias de ponto para os exames.
O aluno quando entrava para a Escola era “bicho” no primeiro ano; “semi-bicho” do segundo ano; “neutro” no terceiro ano e até ao carnaval; “veterano de terceira” depois do carnaval; “veterano de primeira” no quarto ano e “veteraníssimo” no quinto ano. “Veteraníssimos com pasta” eram só os finalistas.
O “veterano de terceira” só podia ter ao seu serviço um “bicho” de cada vez; o “veterano de primeira” podia ter ao seu serviço “bichos” e “semi-bichos”; o “veteraníssimo” podia ter ao seu serviço “bichos” e “semi-bichos”, podendo também mandar nos “neutros” se fosse finalista e tivesse na mão a pasta forrada a ganga azul e com as fitas verdes e brancas.
O Conselho de Veteranos reunia as vezes necessárias debaixo de um enorme pinheiro manso, com a presença dos veteraníssimos e veteranos de primeira que estavam sentados, como também um representante dos veteranos de segunda e um representante dos veteranos de terceira. Em pé e virados para o Conselho, o Presidente, o Secretário e o Tesoureiro. Qualquer veterano que faltasse ao Conselho de veteranos pagava uma multa destinada à Ceia de Veteranos que se realizava no terceiro período lectivo. A guardar a passagem de qualquer desconhecido e à distância estavam os “sopeiros do Conselho de Veteranos” que eram dois “neutros” escolhidos pelo Presidente no início do ano.
As Praxes tinham também aspectos didácticos, como por exemplo: qualquer aluno mesmo que fosse já veterano não poderia fumar se não tivesse 18 anos ou autorização do encarregado de educação; só seria veterano de primeira ao quarto ano o aluno que não tivesse reprovado no primeiro, segundo ano ou terceiro ano porque se tal acontecesse de “veterano de terceira” passava a “veterano de segunda” (e só poderia ter ao seu serviço os “bichos”) e só no ano seguinte passaria a “veterano de primeira”. Só podiam jogar às cartas (poker, abafa, etc.), os veteraníssimos, veteranos e neutros.
Os veteranos não tratavam os “bichos”, “semi-bichos” e “neutros” por “tu” mas sim por “você”, para marcar a distância.
Os “bichos”, “semi-bichos” e “neutros” tratavam os veteranos ” por “tu”, para marcar a aproximação.
Qualquer “bicho”, “semi-bicho” ou “neutro” poderia recusar uma ordem de qualquer veterano se invocasse que tal era contra a sua dignidade.
Todos os alunos andavam fardados dentro do espaço da Escola, o que evitava qualquer ostentação de marcas ou roupas diferentes. Todos usavam botins e as fardas de trabalho eram de ganga e cada finalista teria a farda rasgada pelos outros quando terminava o último exame, no chamado “rasgar da ganga”.
Praxes que fomentaram grande espírito de corpo na Escola e amizades para toda a vida.
Manuel Peralta Godinho e Cunha